quarta-feira, 16 de abril de 2008

Você se senta à mesa, ela já está a comer. Dali alguns segundos, ele chega. Em uma mão, a parede: escora-se nela porque suas pernas já não lhe respondem mais. Na outra, os pães e a mexirica. Apoia-se na mesa e a observa, com o olhar fatalmente deturpado, apaixonado. Coloca a mexirica sobre a mesa e diz-lhe que havia comprado para lhe oferecer. Ela, desgostosa com a situação, afirma que a comerá depois. Você escuta um murmúrio, e é dele. Diz que comprara a mexirica só para ela, porque lembrara que ela gosta muito daquela espécie. Pocã. Você ri, irônica, cheia de ódio. Ri porque a semi ebriedade dele é patética, insuportável, fruto do amor absurdo, ou talvez do desejo incessante pela carne que já há muito lhe é negada. E você enfia a faca na mesa, em uma tentativa fracassada de exprimir todo o ressentimento que lhe encarcera a alma. Ele não pensa mais. Não tem mais ética. Não enxerga mais o mundo com os olhos de outrora. Quando está semi sóbrio, tudo o que ele pensa é em como não recebe o que dá, em como tudo o que acontece a sua volta lhe desfavorece. Não pensa mais em você, ou no outro. Só nela. Aliás, nele mesmo, porque o que quer dela é única e exclusivamente aquilo que lhe matará a vontade, que lhe trará prazer. E isso te faz pensar no que disse o Brás Cubas, outrora... Ninguém suporta sua própria humanidade.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Tempo, tempo, tempo, mano velho.
Você quer. Ele ainda não sabe, mas quer também. É comum querer nesta idade. Você vai, instiga. Ele aceita seu desafio, e é aí que a sua perdição começa. Mas, apesar de tudo, você não deseja que ele não tivesse aceitado. Você se aproveita, utiliza-se do dom supremo da manipulação que, a este grau, é quase naturalmente feminino. E ele se afunda mais. De qualquer modo, não vai sozinho. Ele se afunda no vício, você, no sentimento. Você gosta. E isso a destrói gradativamente, pedacinhos da sua sanidade se vão diluídos na água fria da realidade: ele não a quer do mesmo modo. Mas, afinal, não foi você quem o ensinou a gostar do pecado? Vê-se enfim pega na própria cilada, querendo-o como mais que um objeto. Mas você ainda é um objeto para ele, e ele faz questão de te lembrar disso em cada palavra não dita e carinho não contribuído. É só o sexo, ou quase isso. Ele a usa. Usa e abusa, na dança angustiante do não ser e não poder. Você conhece todos os cheiros e todas as texturas, mas ele a priva dos sabores. Você finge não ligar, na verdade mente. E tropeça na própria estupidez quando percebe que, se houvesse os sabores, não seria a mesma coisa. Percebe que a angústia do não ser não é de todo ruim, porque se vocês fossem nada seria como é e tudo está perfeito como está. O não poder é relativo. Você pode tudo menos os sabores, porque ele não quer se prender a você. E neste ponto, é só isso que a incomoda. Enfim percebe também que gosta de ser usada porque, afinal, você também o usa, e a sensação é simplesmente deliciosa...